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A Agência Nacional de Saúde divulgou na última semana as novas regras para a realização de partos no Brasil. O objetivo da ANS e do Ministério da Saúde é estimular a realização dos partos normais. Segundo Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o país onde mais se realizam cesáreas no mundo. Astaxas chegam a 84% no sistema privado e a 40% no SUS -- o recomendado pela OMS é 15%. As novas regras geraram opiniões divergentes entre especialistas. Entenda melhor as recomendações e seus objetivos:
O que o governo quer com as novas medidas?
Reduzir o alto número de cesárias no Brasil,
hoje o País onde mais se realizam cesarianas em todo o mundo. Segundo dados do
Ministério da Saúde, na rede privada 84% dos partos são cesarianas. No SUS, o
índice chega a 40%. A OMS recomenda 15%.
E como a nova resolução da ANS pode
ajudar isso na prática?
O principal objetivo do governo é reduzir o
número de cesárias. Para isso, a principal medida é reforçar a importância dos
partogramas, documentos que detalham como foi o parto. A partir dele é possível
saber quais eventuais complicações justificariam (ou não) as decisões tomadas
pela equipe médica e obstétrica, e se as cesarianas efetuadas seriam de fato
necessárias. Hoje o partograma é obrigatório no SUS, mas não é tratado com o
rigor necessário pelos planos de saúde. A partir de agora, as operadoras dos
planos de saúde só poderão realizar o pagamento dos procedimentos mediante a
apresentação do partograma. Com a fiscalização e o fortalecimento de sua
obrigatoriedade, os profissionais de saúde terão sempre que esperar a gestante
entrar em trabalho de parto, desestimulando os nascimentos agendados -- o que
não é recomendável pela OMS.
Haverá ainda a divulgação do percentual de
cesarianas por hospital, por médico e por operadora. O descumprimento da regra
acarretará em multa de R$ 25 mil reais para a operadora do convênio. Esta
medida deixará mais explícito o excesso de intervenções no Brasil, e dará mais
elementos às gestantes que desejem um parto normal pelo plano de saúde.
Mas o partograma resolverá tudo?
Para a obstetra Cláudia de Azevedo, da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP, outras mudanças são necessárias para se
garantir a redução do número de cesáreas no Brasil. Sem um preenchimento
correto, por exemplo, o documento não ajuda a reduzir o número de intervenções desnecessárias.
“O partograma pode ser burlado e preenchido retroativamente, no pós-parto. Ou
seja, se não houver uma regulação ou auditoria séria, o documento se torna
apenas mais um documento burocrático do prontuário da paciente",
argumenta. A medida do governo coloca em debate o modus operandi dos planos de
saúde e abre caminho para uma melhor fiscalização e a consequente redução do
número de cirurgias.
O que mais será feito?
Segundo a ANS e o Ministério da Saúde, outras
medidas virão após uma consulta à sociedade civil para angariar mais sugestões
de como reduzir o número de cirurgias no Brasil.
Qual o problema de se fazer uma cesárea?
A cesariana deveria ser uma cirurgia de
emergência, utilizada apenas quando complicações impedissem o parto normal.
Então o parto normal é mais seguro?
Sim. Segundo um estudo da American Journal of
Obstetrics and Ginecology, o número de óbitos maternos é 10 vezes maior em
cesarianas que em partos normais. No caso dos bebês, a mortalidade infantil
para nascidos em cesáreas é 11 vezes maior quando comparada aos nascidos em
partos normais. Isso acontece porque a cesárea é uma intervenção cirúrgica e,
como tal, envolve riscos. Além do mais, estudos apontam que bebês nascidos de
parto normal têm menor propensão a doenças respiratórias, autoimunes e até
obesidade.
É verdade que o agendamento da cesariana estimula partos prematuros?
É verdade que o agendamento da cesariana estimula partos prematuros?
Sim. É difícil calcular a data exata da
concepção, e as cirurgias costumam ser agendadas para o mais breve possível,
assim que a gravidez chega ao termo (na 38ª semana, quando o bebê está
completamente formado). A imprecisão natural da data da concepção aliada à
pressa em se fazer a cirurgia acaba fazendo com que a cesárea seja um dos
principais causadores de partos prematuros no Brasil.
Quando um médico deve optar por uma cesariana?
Quando um médico deve optar por uma cesariana?
A cesariana deve ser utilizada quando todos os
meios para promover um parto normal forem esgotados. Isso acontece em
gravidezes de risco ou em mulheres com algum problema prévio de saúde. Por
exemplo: placenta prévia verdadeira (quando a placenta impede a passagem do
bebê pelo canal do parto), ruptura uterina e descolamento precoce da placenta.
Tais situações, contudo, são raras.
Fazer ou não uma cesárea não é um direito de escolha da mulher?
Fazer ou não uma cesárea não é um direito de escolha da mulher?
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, divulgada
em setembro de 2014 e coordenada pela ENSP/Fiocruz, 28% das brasileiras desejam
ter uma cesariana já no início de sua gestação. Esse resultado, contudo, merece
uma ponderação. Os planos de saúde e os obstetras a eles vinculados vêm sistematicamente
estimulando a fazer cesarianas. Criou-se uma "cultura da cesárea" no
Brasil. Um dos efeitos desta iniciativa governamental é começar a equilibrar
essa percepção, mas tal trabalho pode levar décadas.
Alguns argumentos utilizados pelos médicos para realizar cesarianas são “bebê sentado”, baixa dilatação, idade avançada ou “cordão umbilical enrolado no pescoço”. São justificativas verdadeiras?
Alguns argumentos utilizados pelos médicos para realizar cesarianas são “bebê sentado”, baixa dilatação, idade avançada ou “cordão umbilical enrolado no pescoço”. São justificativas verdadeiras?
Nenhuma dessas situações indica obrigatoriamente
a necessidade de uma cesariana, depende de cada caso. Muitos bebês têm o cordão
enrolado no pescoço durante o nascimento e isso não provoca queda de batimentos
cardíacos ou qualquer outro problema para o bebê. Uma situação real de bebê
"sentado" é mais rara, e depende de mais apuro para realizar um parto
normal, pois exige uma manobra específica para que o bebê possa nascer sem a
cirurgia. Fazer uma cesárea
alegando baixa dilatação normalmente indica um trabalho de parto apressado, no
qual a intervenção jurídica veio antes da hora. A idade avançada também não é
um indicativo de debilidade da mulher, se a gestação ocorreu de maneira
saudável, a idade não é impeditivo para o parto normal.
A formação dos profissionais está voltada para a cesariana?
A formação dos profissionais está voltada para a cesariana?
Não. As escolas pregam o modelo do parto normal
e ensinam que a cesariana é apenas para emergências. O problema é no dia-a-dia
dos hospitais. Trabalhos de parto são longos, e a cesárea dura cerca de duas
horas. E, para as seguradoras de saúde, quanto mais previsível e rápido for o
parto, maior o lucro.
O Brasil tem condições de infraestrutura e profissionais suficientes para essas adaptações?
O Brasil tem condições de infraestrutura e profissionais suficientes para essas adaptações?
Sim. Um dos entraves ligados ao convênio médico
é o atrelamento do obstetra a outros profissionais, como o anestesista. Este é
um dos argumentos para o agendamento. Contudo, todos os procedimentos podem ser
realizados por plantonistas presentes do hospital. Não é necessário que o parto
seja realizado pelo mesmo médico que realizou o pré-natal, por exemplo.
O parto natural, em que as mulheres decidem dar à luz em casa, está ganhando força no Brasil e no mundo. Ele é seguro?
O parto natural, em que as mulheres decidem dar à luz em casa, está ganhando força no Brasil e no mundo. Ele é seguro?
Ele é seguro quando a gestante está em perfeitas
condições de saúde e foi assistida por toda a gravidez por uma equipe
profissionais capacitados que assegurem suas condições de ter um bebê dessa
forma. Ainda assim é necessária a montagem de um plano de emergência caso a
gestante precise ser levada para um hospital para realizar alguma intervenção.
Como são os partos fora do Brasil?
Como são os partos fora do Brasil?
Na maioria dos países da Europa e nos Estados
Unidos, por exemplo, o parto normal é a regra, e a cesariana é considerada um
recurso de emergência, tanto pelos médicos como pela população e pela mídia. E
o parto é quase sempre feito na rede pública, pela equipe de plantão que
estiver no hospital no momento em que a gestante der entrada.